terça-feira, 17 de novembro de 2009

MATADOR DE PASSARINHO


(Diego EL Khouri)

Esse blog não tem nenhuma intensão de ser atual. Não nos interessa política e nem esportes. Amantes do sedentarismo escrevemos linhas difusas, traços complexos de pura magia e perversão. A rede virtual também, ao nosso ver, não é tão delirante como o papel, o livro impresso, páginas amareladas. Portanto esse blog é apenas um rascunho mal esboçado do zine Vertigem. Além de ser um desvio, uma alienação.

Fuçando nas velharias do meu quarto encontrei uma revista datada de outubro de 2002. Não sei se ainda existe, mas a revista se chama Zero dedicada a música e cultura independente. Na época o poeta, filósofo, crítico de cinema Rogério Skylab (pseudônimo de Rogério Tolomei Teixeira) lançava o Skylab III (terceiro da série dos Skylabs que terminará no X) e uma coletânia onde bandas cariocas se reuniram para lançar o cd Tributo ao Inédito. No show de lançamento Leela e Skylab foram sorteados para se apresentarem juntos. Por sugestão dele fizeram a versão de "Estação Derradeira" de Chico Buarque.
No blog Paranóia, http://paranoiafreud.blogspot.com/2009/03/rogerio-skylab-o-poeta-do-cotidiano.html, fiz um texto chamado "Rogério Skylab - O poeta do cotidiano" onde faço algumas analogias de sua poesia com grandes célebres da arte como Baudelaire, Leminski, Mallarmé e principalmente Rimbaud. Insisto em não analisar sua música. Sou apenas um amante de um bom som e vejo que o grande erro dos críticos de música no Brasil é justamente eles não serem músicos. Skylab está certo.

“Quando eu falo em escatologia, sei contra quem estou falando: contra a MPB. Porque o que está em jogo em toda a história da música popular brasileira é a idéia de comunicação. O que está sempre presente é a consciência, o racional, a reflexão. Mesmo com uma poesia difícil, é sempre algo cabeça. A escatologia não é cabeça, é a volta do corpo”.

“A beleza clássica está ligada à idéia do reconhecimento. Uma música estranha nunca vai ser bela. E o meu trabalho não é voltado a olhar pro familiar, mas pro estranho. No fundo, meu trabalho está voltado pra não-comunicação.”

Em meio aos mosquitos num parque da cidade do Rio de Janeiro esse delirante compositor concedeu uma entrevista a Bianca Jhordão, vocalista do Leela na qual transcrevo aqui para que não se perca no vazio e antes que os cupins acabam devorando de vez a revista:

BJ: Quem é Rogério Skylab?

RS: Ainda estou descobrindo. Ele vai se fazendo aos poucos, de disco em disco, de poesia em poesia.

BJ: Então não é um personagem?

RS: Não. Boa pergunta. Não é um personagem porque tudo é vivencial. Por exemplo, na música "Segunda-feira", do Skylab III, eu falo do ônibus 433 que é um ônibus que liga Vila Isabel ao Leblon e que usei minha vida toda. É diferente, por exemplo, da Fernanda Abreu falar da Central do Brasil. Provavelmente ela nunca foi na Central do Brasil.

BJ: Por que nos shows você não fala com a platéia?

RS: Eu não falo nada, nada! A platéia não existe pra mim. Não tem palavra porque a minha música e´uma viagem consciente, é uma loucura.

BJ: E nas partes instrumentais você sempre sai do palco...
RS: Eu desapareço. Isso é legal, essa imagem do desaparecer e aparecer. Meu trabalho desperta um processo de amor e de ódio.

BJ: Você acha que as pessoas não gostam por causa da letra, da atitude, de quê?
RS: Eu tenho uma relação de violência com a natureza, como na música "Matador de Passarinho" (Skylab). Você imagina como deve ser pra um naturalista ou neo-hippie ouvir essa música.

BJ: Que lugares do Rio você gosta de ir à noite?

RS: Atualmente não faço porra nenhuma, fico vendo televisão. Sou completamente tarado por televisão. Assito até pastor falando.

BJ: Então você tira inspiração pras suas músicas desses programas de TV?

RS: Total. Teve um crítico de Brasília chamado Bruno Cavalcante Que arrebentou o meu trabalho. Mas ele falou uma frase maravilhosa: "Esse Rogério Skylab desafina mais do qeu Hebert Vianna sem tutato". Essa imagem foi tão forte, foi de uma coisa tão horrível, que eu transformei isso em música. E fiz uma música só com essa frase, repetidas das formas mais diferentes possíveis.

BJ: Qual sua fantasia mais bizarra?

RS: Puta que pariu, hein? EU fantasio pra caralho. Não é que eu tenha constrangimento em dizer, mas é que já tive de tudo que se possa imaginar.

BJ: E o que te excita?

RS: No meu disco eu quis colocar um pouco de pedofilia. Uma das minhas fantasias bizarras é a pedofilia, sem dúvida. Vozes de crianças com bastante sensualidade.

BJ: Mudando radicalmente: o que você gosta de comer?

RS: Carne. Não tenho nenhuma relação com os vegetarianos, macrobióticos, nada disso.

BJ: E como é esse outro lado do Rogério? A do cara que trabalha num banco...

RS: Nenhuma relação. Eu vou lá, trabalho, sou um excelente funcionário e faço questão de não convidar ninguém pros meus shows.

BJ: E a sua família?

RS: A minha mãe é a maior antifã do meu trabalho. Ela é muito religiosa e reza todos os dias pra eu largar isso.

BJ: Ela já foi em algum show?

RS: De jeito nenhum! Teve um caso trágico/engraçado quando um sobrinho meu de 15 anos foi num show e cantei a música "Urubu" (do Skylab II) com o pau pra fora. E depois ele contou pra minha mãe. Nessa hora é legal você olhar pro público e ver se prestam atenção na letra, na música ou no pau.

BJ: Que discos você tem em casa? O que gosta de ouvir?

RS: Eu ouço Araçá Azul, do Caetano, Menorme, do Zumbi do Mato, Daminhão Experiença, Arrigo Barnabé, Clara Crocodilo. Gosto muito de uma dupla chamada Sonic Jr. Gosto muito do Sonic Youth, gosto mais deles do que Weezer.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A POESIA COMO ARMA DE REVOLTA


(Por Diego El Khouri)

“Poesia é a subversão do corpo”. Nada mais que essa sanguessuga chula de luvas de pelica. Baudelaire nos deu a receita. Olhos embriagados, cabelos em desalinho; a poesia contundente é aquela que absorve no ritmo e na forma uma maneira de contaminar o que já é sujo, ampliando a consciência para novos horizontes, abandonando o que não é sentimento para um movimento que seja apenas emoção, nada de razão.

A poesia sempre teve essa função (se é que tem alguma função) de destruir muros, quebrar tabus, sensibilizar a alma e ferir os inimigos. Assim podemos mudar a visão que se tem de arte – em vez de curar cutucar a ferida - . Desde os trovadores até os fesceninos foi assim. Quando os trovadores eram solicitados muitas pessoas acreditam que era para exaltar a mulher desejada. Mas não. Muitas vezes eram pagos para ridicularizar, satirizar, humilhar algum opositor ou coisa parecida. Por isso Octávio Paz está certo ao mencionar a frase que se encontra no começo desse ensaio. “ A poesia é a subversão do corpo” e o sexo uma válvula de escape fantástica.

Como um megalomaníaco-profeta o poeta se vê naufragado no abismo, um abismo sem volta, perdido e esquecido nos vãos da linguagem. Abstração e delírio. O caminho de Dante nos inframundos mas com as portas do paraíso fechadas. O poeta é um excluído por excelência, um amaldiçoado, entregue à mercê dos carrascos do universo. Dessa fibra que exalta a pele trazendo ao coração pitadas de volúpia e dor. Daí nasce o poema. Desse estado de marginalidade, ou seja, da indignação, resultada do vazio e da brutalidade do mundo pragmático e sobretudo hipócrita. O artista é um ser dilacerado entre os prazeres da carne e a vontade de elevar-se espiritualmente. Assim como o Fausto do Goethe. É um anjo decaído, um insatisfeito de marca maior.

Um bardo sem indignação é como um terrorista sem armas. Não há nenhuma diferença nesses dois lavradores. São todos destruidores. Porcos imundos de uma luxuosidade irônica e cadavérica. Sombras amarguradas de egoísmo e tédio. Passionais místicos, místicos passionais. Filósofos suicidas, rebentos de Nietzche. Palhaços que se mostram e se desnudam e se molestam em praça pública afim de que os demais se regogizem e lancem gargalhadas ao Todo, mostrando que a poesia é um circo de clowns bêbados e sem graça, superiores, medíocres. O terrorista e o poeta: seres de semelhança única, cada um vai desmoronando sua parte. Um no campo objetivo, outro no subjetivo. Porém aquele que verseja é superior. Ele destrói para vislumbrar algo, transcender, elevar a consciência, purificar, mesmo que seja pelas vias sexuais. Caminhar entre o lixo e o luxo. O sublime e o torpe. O carnal e o espiritual. Vivenciar a existência ao lado dos paradoxos.

A arte não constrói nada, apenas destrói matizes. Escrever desesperadamente, desenfreadamente ou perder-se no Nada, fechar os olhos, cessar a voz , o silêncio eterno... Rimbaud no auge dos seus vinte anos de idade abandonou a literatura para viver uma vida aventurosa, conturbada, selvagem e mística. A beleza enviesada e corcunda. A revolta nas artes e sobretudo na poesia é uma maneira de limpar a sujeira vivente, mesmo que seja apenas interior. Em vez de dar a outra face esbofetear o inimigo e cuspir caudalosos caldos de ironia e perversão. Transformar o que é podre em porções sublimes iluminando o mal da face da Terra. Livrar da humanidade todos aqueles que se opuserem as idéias atemporais propostas por Platão. Virtudes, amor, verdade. Eis o que desejamos. Eis o que queremos.