domingo, 17 de julho de 2011

A MORDIDA DA SERPENTE


(Por Talita Mael)

Ela abriu a gaveta, pegou o espelhinho antigo, aqueles cílios soltos no olho a incomodavam. Observou no espelho, há quanto tempo o ganhara da avó? Tinha trinta anos ou mais. Foi no aniversário de oito anos? Os contornos em material dourado, estavam enegrecidos, mas ainda se via o trabalho precioso dos arabescos. Como ele se parecia com aquela bela avozinha que ficou esquecida na infância da menina, que sabia sorrir…
Admirou-se no espelho, os olhos começaram a inquiri-lo, numa insistência pérfida. E a picada se deu naquele momento… O espelho trincou em mil faces, cada fragmento refletiam imagens que se ampliavam e se sucediam no mais profundo daquela retina tinturada pela cor cinzenta opaca e triste, de uma tarde fria esquecida pelo por do sol.
Aonde estava a felicidade? Pensou que há muito tempo ela entorpeceu sua juventude, mas ainda não a transformara em fantasmas que arrastavam correntes veladas pela alma amarga. Agora uma alegria ansiosa vibrava latente, querendo explodir os sonhos, revelar um tempo que ainda não se pronunciara, por estar calado no porão do desejo. Este que fora submerso na banalidade da casa e no cotidiano previsível andarilho da mesma rua, enaltecendo palavras que anoiteceram a juventude precocemente…
Que ao menos fosse uma estrela! Mesmo sendo apagada, um dia, tentara ser luz. Agora acreditaria que antes de tombar numa raiz velha, ainda poderia produzir seiva, ser palmeira pra se esgueirar verticalmente em busca do sol.
O nó estava se afrouxando… Agora sim poderia desenhar o seu horizonte, nem que fosse somente para se deslumbrar com o arco-íris e a palmeira a perfilar em sombras…
A serpente surgiu no espelho trincado, insistiu que não lhe dera veneno. Havia, sim, destilado mel. Ela se transformou em flor… O mel transbordava amarelo. E tudo se fez em ouro brilhante e quente. Era o retorno daquele velho e novo por do sol.
O barulho dos cacos se fundiu ao som do celular, que tocava teimoso. O cheiro de comida queimada… O almoço no fogo. A voz adolescente foi ficando sonora e próxima, mãeeeee… O espelho, no chão, não refletia aquela antiga imagem…

Dos poros o doce escorria.

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