*desabafo 2009
(texto: Diego EL Khouri - leituras: Edu Planchêz e Queiroz Filho)
"O que é criado pelo espírito é mais vivo do que a matéria.
O amor é o gosto pela prostituição. Nem há prazer nobre que não possa ligar-se à prostituição.
Num espetáculo, num baile, cada um goza de todos.
Que é a arte? Prostituição.
O prazer de estar nas multidões é uma expressão misteriosa do gozo da múltiplicação do número.
Tudo é número. O número está em tudo. O número está no indivíduo. A embriaguez é um número."
Começo esse ensaio sobre poesia marginal com esse pensamento encontrado no livro Meu coração desnudado do grande poeta maldito Charles Baudelaire, autor de livros como As flores do mal, Escritos sobre arte eParaísos Artificiais - o haxixe, o ópio e o vinho. Textos concebidos sobre a condição de poeta perdido e açoitado em um mundo capitalista e pragmático.
Fixado nessa cadeira alimentada por inúmeros cupins e com um saboroso vinho tinto na mão direita tento esboçar idéias que para muitos (sobretudo uma classe acadêmica e necrófila) são apenas desvios de uma mente atormentada e desesperada; resultado de uma infância humilhante e uma juventude à beira da morte. A poesia é existência. É entregar-se a vida. É dor e prazer, realidade e loucura. Essa correlação de vida e poesia não pode dissociar. Ela inclusive nasceu nessa idéia; primeiro com os trovadores, depois com os burgueses da corte, passando pelos profetas, em seguida os boêmios, e por fim os jovens universitários moribundos e sem pele. "Escreves com sangue e verás que o sangue é espírito." Expulsa do seu corpo versos como vomita sêmen numa noite tumultuosa. "A poesia é a metralhadora na mão de um palhaço". É preciso penar muito para chegar a sua essência. Aprendemos isso com os poetas fesceninos. O erotismo, uma válvula de escape fantástica. Poeta de bermuda e chinelo havaiana.
Seguindo nessa linhagem de literatura intensa e até mesmo orgiaca num ensaio do cineasta e também poeta fescenino Sylvio Back intitulado A poesia das Inevitabilidades ele diz que o poema erótico nasceu nas mãos criativas de Goethe, Baudelaire, Rimbaud, Whitman, Apollinaire, Valéry, Verlaine, Kafávis, Pierre Loÿs, Boris Vian, sendo sancionada por toda a sociedade manipuladora, pela mídia, editores, livrarias e os tão aclamados "críticos virtuosos". Sempre os críticos, os críticos... Em 1807 em uma época de calorosas revoluções, o homem começando a sentir-se oprimido e desafiado pela máquina o inglês Lord Byron lança um livro cujo título "A Hora do Ócio" chocou os chamados seres sem pele, arrasando o jovem rapaz devido as críticas duras em relação ao seu primeiro trabalho. Em seguida revoltado e com tom de ironia publica "Bardos Ingleses e Críticos Escoceses"! Precisamos alimentar as vísceras desses tolos sangue-sugas - noites de porre, madrugadas de absinto. O marginal é aquele ser bárbaro, posto em escanteio sem dó nem piedade. Muitas vezes por vontade própria. "A marginalidade é formada por aqueles que estão 'out' - aqueles que não tem acesso ao poder estabelecido involuntariamente por miséria, ou voluntariamente por escolha estética religiosa", já dizia o profeta do caos Timothy Leary.
Higiene, conduta e moral. A poesia está nos tempos atuais recheada de lirismo hipócrita e versos gentis. Uma volta ao parnasianismo; escrever de forma amena dentro da forma clássica inspirada nos gregos, ou seja, não importa o "eu- emocional" apenas o "eu-pensante". Isso está muito relacionado também com a poesia-objeto de João Cabral de Mello Neto. Denovo a forma valendo mais que a intuição e a inspiração. Sou mais Roberto Piva que demora sempre em média dez anos pra publicar uma obra, pois ele acredita naquela idéia de inspiração, de santo baixando mesmo. A idéia do choque e do susto. Ver por exemplo uma mancha em um banco de praça o dia todo e viajar em suas formas, se perder em seus desenhos, se ocultar em seus contornos. Daí nasce a linguagem poética. "O poema nasce do espanto e o espanto do incompreensivel." Por isso insisto, marginal é quem escreve à margem apenas por não vender sua arte a uma classe intelectual e acadêmica que vivem coçando seus cus atrás de mesas com mil canetas no bolso e nenhuma coragem nas ações. "O poeta tem que cair na vida, deixar de ser brocha pra ser bruxo". "O poeta é um vidente". Com Rimbaud aprendemos isso, com Wiliam Blake as famosas "portas da percepção" e com Ginsberg o êstase búdico. Desvencilhar o que é frágil e criar uma arte para poucos mas com muito conteúdo. Também acredito em você, Piva. Infelizmente seu dizer tem verdade, tem conteúdo. "A poesia sempre será uma arte minoritária." Cabe a nós, seres excluídos e ausentes de toda "moral puritana" cultivar a pele, o pelo e a exaltasão dos sentidos. Os estados alterados da consciência que um tal de Salvador Dalí (baseado nos estudos de Freud) nos ensinou com seu surrealismo real e vertiginoso, delirante, eterno.
"A poesia é a orgia mais fascinante ao alcance do homem". André Breton.
Comecei esse texto depois de uma conversa com um conhecido meu. Falavámos de literatura, de Kafka a Machado de Assis, passando pelos filósofos e música popular. No meio de uma conversa comecei a falar de gênios como Rimbaud, Mallarmé, Leminski, Allan Poe... portanto sobre poesia.
O que me chamou a atenção foi algo que ele disse que ficou na minha cabeça a noite toda. O pragmático rapaz disse com seu falar racional: "a poesia, mesmo a marginal sempre terá um caráter fresco." Ah que triste afirmação ele disse!! talvez porque nunca leu Allen Ginsberg e nada de poesia beat, simbolista, fescenina, concreta... Aqueles deuses da linguagem que chocaram toda uma sociedade com seus versos e atitudes. Veja por exemplo em 1956. Recital de poesia com os escritores beatniks em um salão recheado de bebida e excentricidades. Quando Corso (aquele poeta que mais tarde numa noite de escessos incentivaria o roqueiro Jim Morrison a publicar seu livro) recitava seus textos em meio a reprovações de um bêbado lunático. Ginsberg educadamente pediu que ele fizesse silêncio. O estorvo não cessou seu dizer sem lógica. Allen novamente pediu por favor e nada. Revoltado ele perguntou ao bêbado o que ele queria e este repondeu que queria "nudez". O poeta então se desnudou por completo e o bebum sob vaias saiu sem graça do ambiente e Ginsberg ovaciondo pelo povo. Ou então numa noite enquanto se masturbava ele lia um verso do poeta-profeta-vidente William Blake que dizia isto:
Ver um mundo num grão de areia
E o céu numa flor selvagem
Segurar o infinito na palma de sua mão
E a eternidade numa hora.
Nesse momento o poeta beat ouviu a voz do próprio Blake dizendo esses versos e ele percebeu que deveria continuar nessa linhagem de poeta-profeta. Rimbaud abrigado pelo também poeta Verlaine viajou durante todo o dia numa mancha na parede sendo expulso da casa e passando a perambular por semanas com os mendigos da praça Maubert. Certa vez chegou a se enclausurar numa noite em um armário para aprender a falar árabe e alemão. É desse tipo de vivencia que necessitamos. "Não acredito em poeta experimental que não tem vida experimental." É preciso roubar o infinito, entrar e sair de todo sistema. Vomitar na mesmice seu mais secreto sentimento. É preciso viver, viver, mais do que isso viver, viver...
"O poeta se faz vidente por meio de um longo, imenso e refletido desregramentos de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota neles todos os venenos para só guardas as quintessências. Indizível tortura na qual ele precisa de toda a fé, de toda a força sobre-humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito - o supremo Sábio! - Pois ele chega ao desconhecido!" Todo poeta deveria seguir na íntegra essa máxima de Rimbaud. Ser vidente. "O poeta é mesmo ladrão de fogo".
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à paisagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
Paulo Leminski
Agora escrevo a tão prometida lista dos dez livros de poesia contundente para iniciados nessa arte. Isso é pra você que falou que poesia sempre terá um caráter meramente fresco e sem importância
.
Segue-se aí:
01- O Matrimônio do Céu e do Inferno -
Autor: William Blake.
Livro publicado em 1790.
Obra com caráter profético, de um escritor que preveu a morte de seu mestre em gravuras, e que aos nove anos de idade viu Deus da janela e anjos brincando nas árvores. Livro espiritualista com caráter pagão. É dele essa frase: "O caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria."
02 - As flores do mal -
Autor: Charles Baudelaire.
Obra datada de 1857.
Livro que contém 100 poemas que uma visão mórbida desnudando as atrocidades e desgraças do mundo em forma de versos. Sendo acusado de ultrajar a moral pública seus exemplares são apreendidos e obrigado a pagar uma multa. Influenciou toda a literatura que veio depois dele.
03 - Uma Estação no Inferno -
Autor: Arthur Rimbaud.
Escrito por volta de 1873.
Livro que retrata a fase de loucura e busca espiritual que Rimbaud viveu na primavera em Charleville (França). Gênio que abandonou a literatura aos 21 anos de idade vivendo uma vida
inimitável e intensa. Chegando a contrair uma febre tifóide por excesso de caminhar a pé. Foi também líder de um exército árabe, se apaixonou por uma nativa da Abissinia, trabalhou com armamento bélico, diz ter ouvido em sonho aos 16 anos de idade o deus Apolo dizendo para ele ser poeta e morreu aos 34 anos de idade, deixando um legado importante para a arte. Participou de várias viagens poéticas que influenciariam o século seguinte: viagens, drogas, verso livre, rebeldia... Um marco zero na literatura mundial.
04 - A hora do Ócio -
Autor: Lord Byron.
Escrito em 1807 pelo boêmio inglês influenciado toda uma sociedade, inclusive a segunda geração do modernismo ( o mal do século) com Álvares de Azevedo, Junqueira Freire e companhia.
05 - Eu -
Autor: Augusto dos Anjos.
Publicado em 1912.
Influenciado pelas idéias do filósofo pessimista Schopenhauer lança um livro de poesias dentro de uma estrutura clássica e visão mórbida. A faculdade de Medicina do Rio do Janeiro adotou seu livro devido aos termos científicos.
"Beija nessa boca que te escarra." Forte, profundo.
06 - Uivo -
Autor: Allen Ginsberg.
Publicado: 1955.
Um dos representantes da geração beat, seu livro choca fundindo budismo e sacanagem, espírito e carne. Recomendo. Uma porrada na alma.
07 - Antologia Poética -
Manuel Maria du Bocage.
Recomendo qualquer livro desse marginal por excelência. mas comecem com a antologia poética.
Muito bom!!
08 - Paranóia -
Autor: Roberta Piva.
Publicado em 1963.
Uma releitura tardia ( depois de 40 anos) de Paulicéia Desvairada de Mario de Andrade. Poeta xamã e orgiaco. Ele nos revela com seus versos uma São Paulo caótica e desesperada. Aqui o caos, devido a época, é mais exacerbado do que o Mário.
"Eu sou uma metralhadora
em estado de graça
eu sou a pomba-gira do absoluto."
Em uma de suas definições. Mistura de lirismo e palavrão.
09 - Faca Cega
Autor: Glauco Mattoso.
Herdeiro de uma tradição de Bocage, Gregório de Matos e Marquez de Sade esse livro revela o seu próprio desespero de ter ficado cego aos 40 anos de idade. Poeta importante na cena brasileira e mundial com mais de 3000 mil sonetos escritos, isso mesmo depois da cegueira.
10 - Gregório de Matos.
Achem qualquer livro desse cara. Poeta da colônia-Brasil. O mais marginal de todos.
Se não acharem nenhum, leiam o Boca do Inferno da Ana Miranda que tem ele e o frei Vieira de Souto como personagens. Chocou a sociedade, desafiou a igreja.
No mais é isso. Leiam, leiam
mas sobretudo vivam intensamente sem pudor, sem moral, sem regras, sem leis.
# 17 SÁDICO (1999)
(Glauco Mattoso)
Legal é ver político morrendo
de câncer, quer na próstata ou no reto,
e, p'ra que meu prazer seja completo,
tenha um tumor na língua como adendo.
Se for ministro, então, não me arrependo
de ser-lhe muito mais que um desafeto,
rogar-lhe morte igual à um inseto
na mão da molecada vai sofrendo.
Mas o melhor mesmo de tudo é o presidente
ser desmoralizado na risada
por quem faz poesia como a gente.
Ele nos fode a cada canetada,
mas eu, usando só o poder da mente,
espeto-lhe o loló com minha espada.
***
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