sexta-feira, 6 de setembro de 2013

ESCRIVÃO TRAFICANTE

(Por Diego El Khouri)


Pessoas pensantes pensam
no lar expulso do ventre
na paisagem que nunca se desnuda
no calor intenso dos trópicos
na cara banhada de sangue
dos indigentes na sala nobre do inferno.

Pessoas pensantes erram
na tenra infância dos amores
no destino recortado da aurora
na pintura multifacetada de cores
no leite branco que escorre lento de seus corpos
nos astros azuis que choram
na massificação idiota da mídia
no lado oposto onde ratos vivem.

Agora minha mulher, cabelo amarrado,
de calcinha e sutiã,
faz a comida que alimentará minha alma,
a limpeza que tranquilizará o norte;
no instante derradeiro da lua
ela tece cores bonitas no âmago do meu peito.

O cachorro Pingo, louco que é,
inutilmente tenta foder
e surpreendido fodido é
pela sua estrutura frágil e pequena
- me comovo com  a poeira chata
que lambe seu corpo
nessa jacarepaguá de atribulações.

Canto, uma música baixinha no ônibus
- “como um rato de bueiro, como um gato de calçada" -,
indo para Quinta da Boa Vista
desenhar caras, dentes e pernas.

Sou o escrivão do presente, futuro, passado.
Scarlett O' Hara
que se perdeu na roda da vida.
Amante ardente... muitos olhos
grudaram em meu pênis
e nem em Santo Antônio de Goiás 
quando nu lia meus versos
pude ver minha própria sombra...

“O silêncio é uma confissão”.
O meu se encontrou no ventre do lar
na aparição de pus e sangue
nessa família nojenta que me viu crescer.

Sou pai e mãe do meu destino
deus de braços abertos
cuspindo fel e poesia.

Reconhecemos diamantes
e pedras preciosas
pois, anjos encarnados,
somos diamantes e pedras preciosas
queiram ou não queiram.

Ao lado  a  tia punheteira
que me torturava
enquanto sofria de apendicite supurado
num quarto de apartamento anos atrás.

Edu Planchêz diz 
que temos que ter mais tempo
para adorar as flores
“sentar na calçada sem qualquer preocupação,
saboreando amoras bem maduras...”

Estou sentado agora
num tapete de pregos
lendo “assim falou Zaratustra”
pela milésima vez
fumando o cigarro
que nunca mais fumarei,

pelo menos até a próxima estação
até o próximo limite da dor
até que alguém venha me socorrer
e me entregue todo dinheiro roubado
daquele velinho alí na porta do mercado
empurrando seu carrinho de compras.

Se a sombra vil atravanca meu caminho
por que não colocar o pé na frente
e trazer para dentro de meus olhos
as estradas cintilantes que outrora vi na infância?

Por que também não ferir pessoas
cuspir na porta do paraíso
 mostrando a bundinha pra deus?

Eles sabem muito bem o que fazem
esses padres em passeatas
pela diminuição máxima do prazer...

Estou do lado oposto
disposto a tudo (!)
inclusive a negar o sangue
e o dna que me impuseram
 sem meu consentimento.

Meu pau duro segui firme
e não posso voltar atrás
muito menos beijar as bocas carnudas
das mulheres doentes nas esquinas
grávidas da miséria persistente
e muito menos olhar pra trás e ver a cara 
de parentes que me roubaram tudo 
tudo tudo tudo tempos atrás.

Desconecto o cabo, desligo a tv;
não adianta cuspir sóis se a lâmpada queimou
a intensidade inconsequente
que me ensinou a viver.

sábado, 24 de agosto de 2013

ÊXTASE-DAMASCO (PÉS ENTREGUES A NOVOS PASSOS)

 (Por Diego El Khouri)




pela longa estrada dos amores
a cereja translúcida, a maçã-tesão
o aroma bucólico-íntimo
se lançam em meus lábios
todas as vezes que passo
nas raízes brutais
das voluptuosas carnes
que se transformam em fogo
tempestade poética
toda dança que incita
e excita
as estradas dos amores
num campo aberto de delírio

o êxtase-damasco
no vermelho lábio, quente
entre as pernas da musa
floresce mil campos de flores
que se fazem cama, orgasmo
 para a cristalidade dionisíaca do amor

musa fatal que me faz ser poesia
e  cria luzes orgíacas nos olhos vermelhos
dentro da íris diáfana
no calor intenso
que o sol  já queimou

me esquenta em teu colo
esfrega tua vulva em minha face
a poesia me atravessou de fato
farto estava do mundo comum

e rompi  céus,  estrelas
lancei do mapa o rato ordinário

aquele que me travava os passos
se perdeu nas zonas banais
(verme sem rumo)

cá estou dentro do teu corpo
encaixado e louco

você dentro de minha mente
rainha intensa

quero te sempre nua
nesse banquete a dois

 ardendo em febre
sempre seu bardo louco
questionador do mundo

“ a lira do delírio cambaleia
entre os fantasmas”
da velha fantasia

ouço os passos alucinados
de john coltrane, nick drake,  miles davis
e a explosão báquica de lautreamónt
que se confunde com desregramentos rimbaudianos

vejo muito além do que a maioria vê
o despertar filosofal
a sabedoria dos que atravessam pontes
vento suave, tempestades terríveis

só há carros barulhentos na minha alma
carros que berram e poluem
serei o cego que dirige
e ultrapassa feridas em alta velocidade

a corrente ígnea que se rebentou
me sonda, sempre à espreita...
observa fagueira
os barquinhos de papel
que lanço ao mar
rabiscados de poesias inúteis
e algumas frases roubadas

“longe o alvo, e perto a seta”
Sua poesia resgata o felino
Que há em cada um de nós
gladiadores sem nenhuma ordem
(sociedade-rivotril)

o arrepio na nuca-vertigem
é porque estou aqui
e você está aqui

desnudos na freguesia
no seu quarto desnudo
nas maçãs quentes do desejo
chupando sem medo
a beleza sublime-infernal 
que há em teu seio

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MANHÃ DE SOL (CHUVA LEVE)



(Por Diego EL Khouri)



Ouvindo o disco In a Silent Way do Miles Davis.

Manhã de sol seguida de uma chuva leve. Chuva que lava a alma. Mais um parto nessa manhã de sol. Mais um dia. Apenas a poesia na calçada descalça, ingênua, sacana e bêbada. Olhos arregalados, deslumbrados perante a vida. Vida que também fere e corta. Mesmo assim bela como fogo indecente de blasfêmias masturbatórias, clamando loucura. Ah bendita loucura e seus arrebóis multifacetados, pernas abertas ao escândalo, correndo e correndo do abismo, esperando amor , um beijo leve da poesia-mulher e seios fartos de uma primavera breve. Boca nos seios, nos seios, lambendo em círculos os contornos de seu bico, lambendo seios, seios, uma manhã de sol surgindo após uma madrugada de chuva leve. Chuva que lava a alma. Mais um parto nessa manhã de sol. Mais um dia. Apenas a poesia na calçada de guarda chuvas destruindo o acaso. Criando em si própria o infinito. Destruindo regras, um abismo todo jogado fora. Uma sensação que não cessa.

17, 01, 2013


sábado, 10 de agosto de 2013

PELAS BRUMAS ENVOLVENTES


(Por Diego El Khouri)


A linguagem é um vírus do espaço exterior.
Burroughs

                           I

pelas brumas loucas envolventes
pelo sol que me condena vivo
pela nebulosidade que os dias se afirmam
rasgo minha roupa toda
delicio com o não estar do ambiente
empíricas formas humanas atravessam séculos
com suas caras feias e seus frágeis sexos sem grito e esperma

nauseabundos expoentes cadavéricos  finos
sapateiam na pontinha
bem na pontinha do “bunda lê lê” sonoro chulo
e eu grito a sombra sonora do samba de botequim
arcaico moderno
 palavras sangrentas
palavras febris,
o  penetrante veneno que é a face exposta do poeta - bandido
sem mestre ou discípulo
rebola no cu das atmosferas falidas
(destruir para reconstruir)

“cogito ergo fumo”

a “libação das páginas de poesia”
“no tênue filtro celeste 
de teus espontâneos beijos"
é colagem fixada em espinhos
uma rede fina na praia
bundas passando aqui e acolá
sem medo da censura
política ou moral


antes transgressão rimbaudiana
escândalos em bares, quebradeiras
hoje silêncio na página amarela
miles davis ao fundo novamente
Porgy and Bess (mil novecentos e cinquenta e nove)

minhas asas se partiram,
10 kilos a menos
10 toneladas de estresse


- ontem bebi  e vomitei
mil novecentos altares -

                        II

soy negro de la noche en posición fetal
yo soy la luz de las estrelas,
el calor del sol que sirve de refugio
y la desobediencia fatal de lo absurdo

eu sou pois quero ver em cima
da lua da noite do  teu traseiro
a lua tingida de amor
teu sexo desvairado, mulher,
tuas  pétalas se abrindo
sugando para dentro de ti
a brasa que me faz poeta e bandido

penetro la noche con fiebre

vagina afundando em língua
molhada no amor que se constrói
a cada manhã sorrateira
o meu signo, meu sexo se refaz

ó musa dos grandes  ventos,
éolo te espera de joelhos
no leito, no quarto
nas paredes abertas da alma da carne
do desejo  da  sede da fome da gula